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Mãe solteira – de volta ao jogo

Momento Lifetime
Por Lifetime Brasil el 23 de July de 2022 a las 00:30 HS
Mãe solteira – de volta ao jogo-0

Tenho uma amiga sete anos mais velha. Hoje, ela é mãe de dois filhos e teve a primeira filha quando ainda era jovem, aos vinte anos de idade. Fruto de um namoro entre adolescentes, que não suportou a responsabilidade precoce, um ano depois o relacionamento ruiu e minha amiga se viu desempregada, recém-saída da escola, com uma criança para cuidar e muitos problemas familiares. 

 

[ASSISTA ANNA NICOLE, QUINTA (31), ÀS 23H30]

 

"Um bebê tendo bebês", como diz a personagem de Viola Davis em "Histórias Cruzadas". Minha amiga não se deprimiu: buscou refúgio em seus amigos e continuou sua vida de jovem adulta. E isto incluiu voltar a buscar o amor de alguém. Na época, eu era adolescente e estava na casa dos 15 anos e algo que me intrigava intimamente era que minha amiga não contava aos seus pretendentes que tinha uma filha. Ela mesma assumia isso e eu percebia um semblante travesso de quem, na verdade, está sentindo vergonha. De quê? Por quê? Eu me perguntava.

 

Naquele tempo, já era bastante comum jovens ficarem grávidas e, naquele meio, havia pouco juízo de valor sobre isso. Nenhum vizinho olhava torto ou cochichava: ser mãe jovem e solteira já fazia parte do cotidiano. E como eu via minha amiga saindo, fazendo faculdade e trabalhando, não imaginava por que ser mãe, naqueles dias, poderia ser uma vergonha, algo a se omitir. Mas a realidade é que, desde então ela nunca mais teve um namorado sério. A escolha dos homens errados também influenciou: ela tinha horror aos mais velhos, não muito mais velhos, mas o suficiente para proporcionarem a ela uma vida adulta. Em quase vinte anos, nunca apareceu alguém. E não é que ela não quisesse: não aconteceu.

 

Eu também fui mãe cedo. Minha filha nasceu quando eu tinha dezenove anos, fruto da irresponsabilidade adolescente de quem se arrisca achando que não vai acontecer nada. Já tinha acontecido: aos dezesseis anos, engravidei e sofri um aborto. A experiência foi tão traumática que não tive coragem para repetir a dose. As coisas aconteceram diferentes para mim quando engravidei: ele, também sete anos mais velho, gostou da ideia e logo estava morando na minha casa. Mas eu me deprimi. Tive síndrome do pânico. Ser mãe e esposa não estava nos meus planos. Não naquela idade. Fui estudar e trabalhar e dois anos depois quis me separar. Estava com vinte e dois anos e logo encontrei um namorado que dizia "você nem parece ser mãe". E talvez isto o tenha encorajado a embarcar no relacionamento a despeito do que diziam seus amigos, seu pai e, inclusive, suas amigas. Deu certo durante quatro anos, até o dia em que foi a minha vez de me ver desempregada, sozinha, com uma filha para cuidar e muitos problemas familiares. Mais velha, mais gorda e de volta ao cansativo jogo da conquista.

 

Até que, em duas situações, me deparei com a realidade: duas vezes rapazes da minha idade tentaram flertar comigo. Na primeira, eu não estava interessada. Bastou dizer como quem não quer nada "agora eu tenho uma filha" e pronto. Como num passe de mágica, ele sumiu! E eu achei graça. Uma ótima maneira de recusar as investidas sem magoar ninguém ou criar um clima ruim. Na segunda, não. Era um rapaz interessante e estávamos tendo uma boa conversa, até o momento em que eu disse que era mãe. Ele não sumiu, mas esfriou e acabou não dando em nada. Dessa vez, não achei graça. E percebi ali que, agora, ser mãe, mesmo que não em busca de um marido e, muito menos, um pai para a minha filha, era a senha para que a maioria dos homens, interessantes ou não, fujam. Talvez o medo do "compromisso sério", de "sustentar alguém" ou o "não criar o filho dos outros" sejam as maiores ressalvas a passar pela cabeça desses homens, que não cogitam que talvez a mulher que é mãe não esteja buscando um pai, um provedor e nem mesmo um compromisso sério. "É o que acontece comigo quando digo que sou cadeirante", disse uma vez uma outra amiga minha. 

 

E agora eu entendo o receio e a omissão da minha amiga: a mãe solteira muitas vezes é vista como alguém que demanda enorme responsabilidade – para não falar no clichê da "mãe = figura não sensual". Como se, a alguns olhos alheios, nós carregássemos uma cruz por onde quer que a gente ande. Não é que eu e qualquer outra estejamos atrás de namorados: é que não queremos ser descartadas por uma condição que diz respeito apenas a nós mesmas. Ou agora devo começar a aceitar o fato de me ver como um fardo indesejável?

 

 


 

Renata Arruda Renata Arruda é jornalista de cultura e especialista em mídias socais. Mantém
um blog sobre livros no Huffington Post Brasil e assina o Prosa Espontânea.


TWITTER: @renata_arruda
INSTAGRAM: prosaespontanea