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Ser mãe é: um caminho sem volta

Momento Lifetime
Por Lifetime Brasil el 23 de July de 2022 a las 00:30 HS
Ser mãe é: um caminho sem volta-0

No filme Olmo e a Gaivota (2014) as diretoras Petra Costa e Lea Glob acompanham um casal de atores de teatro, Olivia e Serge, que esperam seu primeiro bebê. O que deveria ser um documentário sobre uma atriz que precisaria conciliar sua gravidez e seu trabalho, já que Olivia era a protagonista de uma peça que em alguns meses entraria em turnê pelos EUA e Canadá, muda completamente de rumo quando uma lesão no útero obriga com que a atriz fique em repouso absoluto durante a gestação, fazendo com que deixe não apenas sua carreira suspensa durante todos esses meses, como também a sua vida social. O risco é grave: caso desobedeça, ela pode perder seu bebê. Ao saber disso, Olivia experimenta uma profunda melancolia, se dividindo entre o desamparo cujo isolamento forçado a faz sentir, o que não é inteiramente compreendido por seu marido - e aqui vale a pena mencionar um diálogo entre os dois, no qual Serge tenta argumentar que sua "realidade presente" não é a mesma de Olivia, que rebate dizendo "minha realidade presente também é a sua, mas sou eu quem a carrega" -, e os receios e perplexidades experimentados por toda mãe de primeira viagem: as mudanças no corpo, a capacidade de carregar uma vida em formação dentro de si, o medo de não saber o que fazer, de repetir os erros dos próprios pais e de tantos outros, o pavor de nunca ter a certeza que se está preparada para dar conta do recado. "O que é ser uma boa mãe?", se perguntam tantas. Olivia não sabe se há uma resposta certa, mas pressente que ser mãe pressupõe fazer alguns sacrifícios: já na gravidez, é a completa inércia, consequência do risco de morte, o elemento fundamental imposto para que ela possa gerar uma vida.

 

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Ainda que nem toda gestação seja dramática como a de Olivia e de tantas outras mulheres que precisam mudar toda a sua rotina para acomodar com segurança a nova vida que vem vindo, desde que o resultado mostra "positivo" é difícil não passar a viver em um misto de alegria e a tremenda ansiedade gerada pela expectativa. Descobre-se muito cedo que o controle que se pensa ter sobre o próprio corpo e a própria vida é ilusório e depende de tantos outros fatores; na verdade, a relação entre gestante e feto é simbiótica, com um vivendo em função do outro. A mulher se vê envolta em questões das mais triviais como a escolha do enxoval, a organização do chá de bebê, o local mais adequado para colocar o bercinho, a necessidade de manter a boa alimentação, até outras mais sérias, como a necessidade de se fazer um bom pré-natal, a possibilidade de se escolher o parto, os gastos implicados, a necessidade de se ter uma renda e poder mantê-la, a aceitação da família e o apoio daquele que será o pai. Mesmo quando há o privilégio de tudo estar certo, nada é garantido: uma gravidez de baixo risco pode se tornar de risco em questão de semanas, qualquer dor ou alteração estranha no corpo é motivo de alarme e preocupação, um feto que está pode não mais estar. Um bom exemplo recente, é a epidemia de Zika, relacionada a casos de microcefalia, que faz com que muitas gestantes se peguem na paranoia de cobrir a casa de telas, se lambuzar de repelente e manter o corpo o mais coberto possível - conheço algumas que até evitam/evitaram sair de casa o máximo possível -, no pavor de que, de um dia para o outro, adoeçam e coloquem seus filhos em risco de uma vida muito mais complicada.

 

Mas a gravidez é apenas o começo. O nascimento dos filhos equivale à morte simbólica da mulher anterior àquela que agora se tornou mãe. Ainda que ser mãe seja apenas uma das muitas definições possíveis para a mulher que tem filhos, individualmente esse status não deve ser subestimado: geralmente é um estado que pressupõe a saída de cena da "filha de alguém", para a provedora de outrem. Acaba a liberdade de sequer ir ao banheiro na hora em que se tem vontade, porque a sobrevivência e o conforto da prole é imperativo e vem em primeiro lugar. A mudança é tão brusca - em um dia você está grávida mas ainda é apenas você mesma e, no outro, há uma pessoa nova na sua vida, completamente dependente de você - que não é à toa que muitas mulheres experimentam a chamada baby blues, uma forma de depressão pós-parto mais branda. Ser responsável pela sobrevivência de alguém não é tarefa fácil, ainda mais em um mundo tão complicado para as mulheres que são mães e tão pouco amigável a crianças. Se na gravidez a tensão por gerar em segurança uma criança saudável está sempre rondando a mente de uma gestante, para mãe a segurança e sobrevivência de seus filhos é primordial. Não há mãe que fique tranquila ao ver seus filhos, estejam na idade em que estiverem, em situações potencialmente arriscadas, nas quais podem ser feridos física, emocional ou psicologicamente. Assim como também acredito haver poucas mães que consigam aceitar com facilidade que seus filhos possam ser agressores de alguém.

 

No dia doze de junho deste ano, um homem entrou em uma boate gay em Orlando, Estados Unidos, e matou cinquenta pessoas, ferindo outras cinquenta e três. Dentre as vítimas, a que ficou mais conhecida foi Eddie Justice, que enviou mensagens de texto para sua mãe enquanto era feito refém. "Mamãe, eu te amo", escreveu ele. "Ele está vindo. Eu vou morrer". Até ontem, ele estava desaparecido e não se sabia de fato havia sido assassinado, o que acabou sendo confirmado. Enquanto aguardava uma confirmação, Mina Justice, sua mãe, declarava estar com um "mau pressentimento". Ela sabia que havia perdido seu filho. É difícil conter a emoção ao ler essa matéria. Se é verdade que o nascer de uma criança muda completamente a vida de uma mulher às vezes ao ponto do transtorno psicológico, também é verdade que, para muitas, esse é um caminho sem volta. A ligação com seus filhos está estabelecida e nunca mais você será a mesma pessoa que era antes de tê-los. O maior terror da vida de qualquer mãe havia se concretizado para Mina e tantas outras mães: o de sobreviver a seus filhos. Poucas coisas podem ser tão desoladoras que um sofrimento deste tamanho.

 


Ser mãe é: um caminho sem volta - 1Renata Arruda é jornalista de cultura e especialista em mídias socais. Mantém 
um blog sobre livros no Huffington Post Brasil e assina o Prosa Espontânea


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